Vendo a chuva da porta da minha varanda ...


Acordar num domingo com chuva, para mim, é a mesma coisa que tirar "na mega sena acumulada". Acho que domingo e chuva de manhã tem tudo a ver. Me dá uma sensação gostosa de paz, de calma, de que hoje é um dia para se acalmar o ritmo e relaxar.

Ver a chuva caindo pela porta da varanda e sentir o cheiro da terra molhada é outro prazer imenso. Pena que poucas pessoas param para observar a magia desse momento. Principalmente quando ela cai como agora, fininha, suave, com cara de "água de mangueira que está molhando o jardim". É uma sensação muito gostosa a de ver a terra sendo banhada, irrigada pela própria natureza, para poder em breve florescer de novo.

É verdade que algumas vezes a chuva vem de uma forma mais intensa, as vezes violenta, que nós humanos chamamos de "temporal" ou "dilúvio". Ela sai arrastando tudo, levando o que encontra pela frente, destruindo construções aparentemente fortes, seguras, e também aquelas que ilusoriamente pareciam ser fortes. Inunda ruas, casas, derruba morros. Enfim, gera o caos.

Mas o que parece o caos normalmente é o alerta da "Mãe Terra" ao próprio homem informando-o de que é preciso recomeçar. Por isso, vejo as tempestades da natureza da mesma forma como as tempestades que, vez por outra, assolam as nossas vidas. 

Algumas vezes a chuva bate de mansinho, com o intuito apenas de irrigar a terra ressecada dos nossos corações para que se possa brotar aquilo que tá sem forças para sair. Em outras, não. Faz-se necessário que uma tempestade desabe, que a gente se sinta meio como o navegante que saiu com o barco em alto mar e se deparou com uma imensa borrasca, onde as ondas gigantes parecem que vão virar nossa embarcação, destruí-la. Onde os ventos velozes nos sacodem de um lado para o outro, como se dissessem para nós "acorda, criatura!!!". Onde os raios cruzam os céus sobre as nossas cabeças como se tivessem a intenção de nos acertar e "nos rachar ao meio". 

No barco à deriva nos vemos na iminência da morte e queremos de todo jeito nos apegar à vida. E isso me faz lembrar quantas vezes a vida nos dá esses "baculejos" no meio do oceano, que é a nossa caminhada terrestre, desejando que a gente largue velhos comportamentos, velhos erros que muito nos têm feito mal, ilusões que construímos acerca do que nos rodeia e sobre nós mesmos?! Unicamente com o objetivo de nos fazer acordar, de renovar nosso olhar, nossos caminhos, nossas decisões?

Vejo-nos diante de decisões que precisam ser tomadas, de auto-encontros que precisam ser realizados e dos quais temos medo e fugimos, como o homem que quer porque quer ter o controle do barco e se agarrar a ele mesmo no meio da confusão. O vento sopra forte, mas ele insiste em manter a vela aberta. As ondas são intensas e sacolejam o barco para lá e pra cá, mas ele quer manter as mãos no timão e definir a rota pra onde vai brigando com elas. 

Quando na verdade o bom marinheiro sabe que diante de um dilúvio em alto mar, quando estamos num barco pequeno, sem grandes recursos tecnológicos, a única coisa que nos cabe é tentar nos proteger, fazer o possível para que a embarcação não "venha a pique" e esperar que a força da natureza se acalme.

Em nossas vidas há momentos assim.
Em que precisamos apenas nos proteger para esperar a força da ventania acalmar, mantendo a fé, a confiança, e tomando as medidas necessárias para que "o barco não afunde". 

Mas, depois de toda tempestade vem a bonança, ou seja, a calmaria.
O sol volta a brilhar, o vento passa a ser uma brisa, a terra antes encharcada começa a secar.
E nesse secar, o solo começa a se cobrir novamente de plantas, de flores, de grama, de capim, de vida.
Os animais saem da toca. O mundo volta a ficar colorido.

Entretanto é preciso trabalhar. 
É hora de retirar a lama da enxurrada, de recolher entulhos que ficaram no meio do caminho, de reconstruir casas e ruas. É hora de pavimentar novas rotas. Algumas vezes mudar de lugar, procurar um outro local mais seguro, longe das águas dos rios que transbordam.
Assim, pelo menos, faz o homem sábio.
É hora de recomeçar.

Porém, algumas pessoas mesmo depois da tempestade preferem ficar onde estão e como são. Não mudam nem de lugar, nem na sua maneira de ser, nem buscam construir uma casa mais firme e segura para morar.

Para estas, a tempestade nada significou porque nada aprenderam com ela.
Nestas, a vida não se renova. Continuam na mesmice de sempre, nas ilusões de sempre, na pequenez de sempre.

Feliz o homem que aprende tanto com a chuva doce que molha o jardim, quanto com a tempestade que avassala a cidade. Feliz do homem que entende os recados da natureza como um convite a mudanças de rumos e rotas.

E enquanto isso, eu contemplo pela porta da minha varanda a chuva que calmamente cai lá fora ...



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